Natureza-morta, 2000
Paulo Sebastião
pretendia ressuscitar a natureza-morta que se encontrava
asfixiada. desidratada
pela secura da sala
Sem título, da série "Ensaio para o Esquecimento",1999
São Trindade
Mas nem com o copo de água conseguiu matar sua sede
e diluir a densa atmosfera
.quente.
não conseguiu conceder vida à natureza-morta
La Femme, 2000
Vítor Pomar
Já que o resultado não foi o cenário desejado
perfeito
ela vingou-se
serviu-se da ventoinha, que agiu e falou por ela
personificou-se
eis a sinestesia da rebelião
Tínhamos uma ventoinha de permeio desligada, desconfortavelmente silenciada, entre nós.
O calor fazia-se sentir no nosso gabinete. Incomodava tanto quanto o silêncio, desconcertante, que censurava cada gesto e movimento meu. Eu não queria perturbar-te. Não queria que qualquer ruído meu pudesse desconcentrar-te.
A vontade de descruzar as pernas era imensa. Mas não tanta quanto o desejo de ser abraçada por ti, de sentir o vigor com que intensamente cinges os rolos dos projectos, esboços, croquis de plantas que diariamente transportas junto ao peito.
Fiz um esforço tremendo para não descruzá-las e não as descruzei! Creio que não foi por causa do eventual ruído que pudesse ocasionar. Perturbando-te. Mas sim, pela cena ordinária vulgarmente identificada com os filmes românticos pipoqueiros. Não, não as descruzei, nem humedeci os lábios, não!
Decidi ter um comportamento racional. Levantei-me, arredei a secretária e fui buscar um copo de água.
Compreendeste o prelúdio desta dança dessincronizada e abriste a janela. Sorrimos em uníssono num compasso finalmente assertivo."Está calor"!
A brisa fresca invade o gabinete, entra-me pelas narinas, ouvidos e pensamentos, passando então a ser cúmplice dos meus intentos. Rouba a minha ira e viola o sossego do gabinete. do nosso gabinete. Mudo.
Foi ela quem perpetrou a primeira contenda - um turbilhão de papéis ficaram dispersos, lápis rebolaram pelo chão, réguas caíram e esquadros estilhaçaram-se...
Juntos apaziguámos este cenário que parecia ser um perfeito pretexto. Tocaste-me, roçaste-me ao de leve com os teus braços... e o inevitável arrepio da minha pele bem como o rubor do meu rosto não tardaram a denunciar minha fraqueza!
- "Atchim! Perdão". O meu espirro interpelou-me, interpelou-nos. Interpelou este momento. Raios!
- "Santinha"!.
"Santinha"? - pensei eu - podias ter-me chamado de tudo, menos de santinha... não me parecia que este momento fosse o mais apropriado para ser beatificada.
Entretanto, em jeito de sobressalto rompante, o telefone toca, quebrando o sacrilégio desta minha visceral fantasia. Ele atende.
Com uma mão estende virilmente os rolos dos esquissos sobre a sua secretária e com a outra repousa delicadamente o auscultador no ombro e enceta a conversa com a sua voz máscula. prosaica. serena.
Maldito sejas! Por breves instantes quis que o meu corpo fosse rolos de papéis e minha face um estúpido telefone. Fiquei enciumada.
Gaita! Que se lixe! Chegou o momento de ligar a ventoinha para assistir ao lindo espectáculo de ver tudo a "ir pelos ares"!!! Que o ruído ensurdecedor da ventoinha boicote a tua chamada e que a tralha de projectos se dispersem pelo ar!
Peço desculpa pelo incómodo, mas estava demasiado calor.
O calor fazia-se sentir no nosso gabinete. Incomodava tanto quanto o silêncio, desconcertante, que censurava cada gesto e movimento meu. Eu não queria perturbar-te. Não queria que qualquer ruído meu pudesse desconcentrar-te.
A vontade de descruzar as pernas era imensa. Mas não tanta quanto o desejo de ser abraçada por ti, de sentir o vigor com que intensamente cinges os rolos dos projectos, esboços, croquis de plantas que diariamente transportas junto ao peito.
Fiz um esforço tremendo para não descruzá-las e não as descruzei! Creio que não foi por causa do eventual ruído que pudesse ocasionar. Perturbando-te. Mas sim, pela cena ordinária vulgarmente identificada com os filmes românticos pipoqueiros. Não, não as descruzei, nem humedeci os lábios, não!
Decidi ter um comportamento racional. Levantei-me, arredei a secretária e fui buscar um copo de água.
Compreendeste o prelúdio desta dança dessincronizada e abriste a janela. Sorrimos em uníssono num compasso finalmente assertivo."Está calor"!
A brisa fresca invade o gabinete, entra-me pelas narinas, ouvidos e pensamentos, passando então a ser cúmplice dos meus intentos. Rouba a minha ira e viola o sossego do gabinete. do nosso gabinete. Mudo.
Foi ela quem perpetrou a primeira contenda - um turbilhão de papéis ficaram dispersos, lápis rebolaram pelo chão, réguas caíram e esquadros estilhaçaram-se...
Juntos apaziguámos este cenário que parecia ser um perfeito pretexto. Tocaste-me, roçaste-me ao de leve com os teus braços... e o inevitável arrepio da minha pele bem como o rubor do meu rosto não tardaram a denunciar minha fraqueza!
- "Atchim! Perdão". O meu espirro interpelou-me, interpelou-nos. Interpelou este momento. Raios!
- "Santinha"!.
"Santinha"? - pensei eu - podias ter-me chamado de tudo, menos de santinha... não me parecia que este momento fosse o mais apropriado para ser beatificada.
Entretanto, em jeito de sobressalto rompante, o telefone toca, quebrando o sacrilégio desta minha visceral fantasia. Ele atende.
Com uma mão estende virilmente os rolos dos esquissos sobre a sua secretária e com a outra repousa delicadamente o auscultador no ombro e enceta a conversa com a sua voz máscula. prosaica. serena.
Maldito sejas! Por breves instantes quis que o meu corpo fosse rolos de papéis e minha face um estúpido telefone. Fiquei enciumada.
Gaita! Que se lixe! Chegou o momento de ligar a ventoinha para assistir ao lindo espectáculo de ver tudo a "ir pelos ares"!!! Que o ruído ensurdecedor da ventoinha boicote a tua chamada e que a tralha de projectos se dispersem pelo ar!
Peço desculpa pelo incómodo, mas estava demasiado calor.
2 comentários:
Porquê silenciar o gesto apetecido?
Por que não sucumbir à tentação de humedecer os lábios, descruzar as pernas e sabe-se lá o quê mais...
Um olhar diz muito, de facto. Mas só a quem o quer ver. Para quê deixar recados quando se pode dizer tudo de todas as maneiras?:)
O ciúme foi culpa só tua. Quem te disse que não deverias baixar a guarda? Se te tivesses entregue ao momento ele não teria atendido o telefone... sabe-lo muito bem! Agora, não tens o direito de te vingar, nem de te queixar...
Compreendo-te muito bem, apesar de tudo. Também eu me cinjo ao racional, ou tento, e não me entrego quando deveria. É que, já reparei, quando o faço, alguma coisa acontece que me faz arrepender.
Hoje não me maquilhei. Por isso, escondida de mim, vou esconder-me de ti.
Espero pelas cenas dos próximo capítulo! Escreve mais por favor!:)
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