quarta-feira, 11 de abril de 2007

Ela disse: "podes entrar sem pedir licença. A porta está aberta."

llllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllllll
.A Woman in the Sun - 1961.
Edward Hopper


"Orgia vocabular - I

Diria Camões à sua amada:

De vós senhora, é meu coração cativo
Em meu peito guardo vossa imagem serena.
Oh donzela de olhar distante e altivo
Meu coração por vós arde, meu corpo por vós pena.

Se um dia no meu leito vosso corpo reclinar
Quedar-me-ei admirando vossa forma e formosura.
Oh deuses! Cegue eu do outro olho se ousar profanar,
Vosso corpo, vosso encanto. Oh divina criatura!

Diria Bocage a uma ex-donzela:

Eu, Bocage não seria, se ao ver-te seminua
Não levantasse tua saia, tuas rendas e teus folhos
Não montasse e cavalgasse tuas ancas
A minha espada desembainhada, entesoada.

Eu, Bocage não seria, se ao ver-te deitada no leito
Pernas abertas a preceito, não te tirasse virgindade e honra
E se no final da peleja donzela fosses, eu, Bocage,
Arrancaria não um olho! Mas os tomates e a minha porra.

Florbela suspiraria pelo amado:

Ah vem…
Espero-te deitada só de suspirar fico cansada
Sem fôlego, trémula, sem alento.
Meu amor, vem…
Mas vem depressa
Ou quando chegares estarei dormindo a sesta
E terás perdido ao vir, ou não.
O meu desejo, o ensejo, o momento.

Ary declamaria arrebatado:

Meu amor. Meu amor.
Deitada não és certeza. És espanto.
Amar-te não é arder em fogo brando
Mas soltar corpo, grito, pensamento.
Arder em fogos brandos é para parvos
E burgueses de desejo fraco, coisa mole e verso breve.
Contigo meu cavalo solto até ao orgasmo.
E me arrebento no teu corpo
E me revejo no teu espasmo.

E Pessoa questionar-se-ia:

Penso que te amo. Mas será que te amo?
Vou fumar um cigarro na esplanada
E pensar mais um bocado.
Amo-te?
Ou como poeta sou, finjo amor e amando-te não te amo?
Não sei!
É melhor esperares deitada.
Digo-te lá mais para o fim da tarde.

Orgia vocabular II - Da criação. Do poeta

Ary pariria o poema:

Nasce nas veias o poema
Agiganta-se.
Filho no ventre
Sangue que corre
Poema volume
Convulsão.
Poema
Sémen palavra
Corpo êxtase
Loucura
Parto
Construção.

Florbela suspiraria o poema:

Ai… Esta inquietude, este desassossego
Que me faz pegar na pena.
Ai… Que penosos são os versos
E que penas, meu amor,
Penando te descrevo.
Ai… Assim penando permaneço
Na tristeza me aconchego
E no canapé, meu amor,
Quando a pena repouso
Desfaleço...

Pessoa questionaria o poema:

Se poesia é aquilo que sinto
Será poema aquilo que escrevo?
E o que esqueço
E se minto
E o que omito?
Se não fica tudo escrito
Será poesia o que sinto
Ou mera reflexão afinal?

Torga faria da Pátria poema:

Um poema nasce
Nos campos da minha Pátria.
Agreste é a paisagem
Forte o poema que cresce
Nos campos da minha Pátria.
Livre o poema ergue-se
E no céu sereno parte.
Fica a Pátria.

Orgia vocabular III - Do coito

Diria Camões à sua amada:

Oh divina e fermosa criatura! De vós o coito não quero... Mas o amor
E quedar-me assim a vossos pés prostrado
Admirando-vos e cantando-vos em estrofes e sonetos
Não maculando, senhora, vossa excelsa fermosura
Quer com pensamentos impuros... Quer com meus dedos.
De vós senhora, quero os ouvidos nada mais.

Diria Bocage entre folhos:

Se a mim, Bocage, deixasses vós
Tão escondida que estais entre pejos e saiotes
Espreitar vossa greta tão pequena.
Verias em meus calções a frente alçada
E meu porraz se agitando aos pinotes.

Sentirias entre as pernas tais calores
Que as escancarias expondo-vos a meus ardores
E me dirias a mim Elmano, vossa voz, não a minha, cavernosa
Vem Bocage, dá-me tua porra, teu porraz
Que em alvoroço estou... E aguentar-me mais não sou capaz.

Florbela suspiraria no canapé:

Ah … Do coito nada sei … Só da espera
Neste longo e lânguido entardecer
Em que te espero, meu amor, e te demoras
E eu aqui reclinada a fenecer…
Vieras tu, meu amor, à tardinha
Ficaras tu comigo, meu amor, a noite inteira
E do coito saberia escrever de manhãzinha
E ao coito dedicaria não um soneto mas uma ode inteira…

Ah…. Como espero que me deixes feita num oito…
Num coito….

Ary arrebatado:

Meu tesão inteiro e puro
Duro
Caneta
Sólido amor
Antes do coito
Antes do orgasmo
Que é esta tinta e este sémen
Com que
escrevo e te descrevo
Meu poema
Não castrado
Minha liberdade
Do coito
Do acto do espanto
Do espasmo.

Pessoa questionar-se-ia:


Penso que vi um coito

Daqui. Da minha esplanada
Por entre o fumo que me tolda os olhos
Por entre as duvidas que me embotam os sentidos
Mas naquela posição seria mesmo um coito?
E se era coito…
De que espécie seria?
Se ele estava de pé e ela ajoelhada?

Ah…. Como é triste o coito

Que o poeta só vê.

Orgia vocabular IV - Da penúria do poeta

Diria Camões sem cheta, com pena, à sua amada:

Minha pena tenho já no extremo fio
De tão gasta, Senhora, de tanto uso lhe dar.
Como arranjarei para vos escrever nova pena?
Se nem um cêntimo, Senhora, tenho para gastar.

E nem aos cisnes poderei roubar uma pena
Para vos mandar novas de mim, Senhora, ai de mim, coitado.
No reino grassa o temor de praga estranja
A gripe das aves traz a todos em cuidados.

Nestes tempos de tormentos e magras bolsas
Fechai bem, Senhora, de vossa casa o ferrolho.
Ah a desdita e a má fortuna que nos fazem assim andar
A vós descalça, Senhora... E a mim teso e sem um olho.

Diria Bocage fazendo um manguito:

Convidado Zacarias a sentar-se à farta mesa
Onde os poderosos e ricos jantavam.
Recusou pão, pinga e convite
Desconfiando, Zacarias, da esmola que lhe ofertavam.

- Oh Zacarias quem te julgas tu!
Perguntou um dos convivas, olhando-o zombeteiro.
- Um rico do pobre quer tudo, até o cu,
Respondeu Zacarias,
E o meu não se vende
Nem por pinga, nem por pão
Nem por nenhum dinheiro.

Florbela transpiraria no canapé:

Ah … Quando penso em ti meu amor...
Fica tão quente este meu pobre e triste corpo abandonado.
Ah… Não fora estar tão lisa como o meu Alentejo
E compraria um canapé com ar condicionado...

Esperar-te-ia, então, de bom grado meu amor
Desde o raiar do sol até à noitinha.
Ah meu amor… Tivera eu um ar condicionado
E a espera seria bem mais fresquinha.

Ary declamaria arrebatado:

Poeta que é poeta
É um esfomeado!
Um órfão
Um deserdado!
Árido, estéril
Se sem inspiração
Sem poesia.
Poeta que é poeta
É um operário!
Um teso, um pobre
Um libertário
Que constrói de mãos nuas
O poema itinerário,
O verso em que caminha.
Ao poeta que é poeta
Pode faltar tudo!
O vinho, o pão
E o conteúdo.
Mas que não lhe falte a musa
Pois morre o poeta
Que não come poesia.

Pessoa pensaria olhando o porta-moedas:

“Não sou nada.”
Não tenho nada
Nada quero senão meditar.
Mas davam-me jeito uns trocados
Que o dono aqui da esplanada
Já me disse quinze vezes:
- Queres fiado? Nem pensar!"

...

continua aqui


Ela diria
simples e incisivamente: "espero-te".



4 comentários:

Anónimo disse...

Ninguém duvida que Fernando Pessoa é um mestre. E nenhum dos outros lhe fica aquém. Mas em matéria de sensualidade elejo Bocage e Ary. Bocage pelas razões evidentes. Esbanja erotismo. De deixar quente a roxa crica! Para quê um filme pornográfico quando se pode ler Bocage...
Ary, por outro lado, transmite aquela sensualidade da paixão. O desejo aliado ao sentimento, o que é de certa forma apanágio da mulher.
Porque é que as mulheres não hão de ser apaixonadas no sexo sem que o estejam?
Amor, paixão, sexo para a mulher.
Sexo, paixão, amor para o homem.

Anónimo disse...

um subtil convite:)

Anónimo disse...

Porque é que ninguém fala do amor? Porque só se fala do que se conhece?...

Lara disse...

...não endereçado.