quinta-feira, 24 de maio de 2007

Ser avessa ao avesso ou às avessas com o avesso

mmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm
Liv Ullmann

em Lágrimas e Suspiros

de Ingmar Bergman



iv et euq me aid o edseD
mes asac ed rias ogisnoc oãn
setna
!ohlepse oa ,edadiav ahnim a racoter
missa are oãn Eu
( missa uos oãn)
satlov sa em-et-sacorT
radna adiv ahnim a ojeV
...sárt arap
-osseva od em-otniS-
mim me euq otiefe o sêV
? sacovorp
ohlepse o sepluc oãN
-!oirártnoc oa odut sednetnE-
sadneerpmoc em àj missa euq res edoP
,otnatne oN
ret euq áh
...metnem sohlepse so ...euqrop ,odadiuC
em émbmat ue e
onagne
e
otnim
(...sezev sà)




Francesca Woodman

On Being an Angel



Trocaste-me as voltas
.os sentidos.
sinto a cabeça andar à roda
.tudo fica
de pernas para o ar.
.tem graça.
é giro
.ser giro.
.e girar.
ver tudo girar
.ao contrário.




And that's true




"They say when you meet the love of your life, time stops, and that's true. What they don't tell you is that when it starts again, it moves extra fast to catch up".




.Big Fish.
Tim Burton



-
I just saw the woman I'm going to marry. I know it. But I lost her.
-Oh, tough break. Well, most men have to get married *before* they lose their wives.
-I'm gonna spend every day for the rest of my life looking for her. That, or die alone!
-Damn, kid. Lemme guess. Real pretty? Reddish-blondish hair? Blue dress?
-Yeah!
-I know her uncle. Friends of the family.
-Who is she? Where does she live?
-Forget it kid, don't waste your time. She's out of your league.
-What do you mean? You don't even know me.
-Sure I do! You were hot shit back in Hickville, but here in the real world, you got squat! You don't have a plan, you don't have a job, you don't have anything except the clothes on your back.





"There's a time when a man needs to fight and a time when he needs to accept that his destiny's lost, the ship has sailed and that only a fool will continue. The truth is I've always been a fool".




after all, this is a fantasy as big as life itself!


quarta-feira, 23 de maio de 2007

Natura naturanda



mmmmmmmmm
. Caracol, 1997.

Francisco Tropa





poemas dispersos de Manoel de Barros concebidos sem pecado



Toda vez que encontro uma parede
ela me entrega às suas lesmas.
Não sei se isso é uma repetição de mim ou das lesmas.
Não sei se isso é uma repetição das paredes ou de mim.
Estarei incluído nas lesmas ou nas paredes?
Parece que lesma só é uma divulgação de mim.
Penso que dentro de minha casca
não tem um bicho:
Tem um silêncio feroz.
Estico a timidez da minha lesma até gozar na pedra.

Livro de ignorãças - 1993



Que a palavra parede não seja símbolo
de obstáculos à liberdade
nem de desejos reprimidos
nem de proibições na infância,
etc. (essas coisas que acham os
reveladores de arcanos mentais)
Não.
Parede que me seduz é de tijolo, adobe
preposto ao abdomen de uma casa.
Eu tenho um gosto rasteiro de
ir por reentrâncias
baixar em rachaduras de paredes
por frinchas, por gretas - com lascívia de hera.
Sobre o tijolo ser um lábio cego.
Tal um verme que iluminasse.

O guardador de águas - 1989



Em passar sua vagínula sobre as pobres coisas do chão, a
lesma deixa risquinhos líquidos...
A lesma influi muito em meu desejo de gosmar sobre as
palavras
Neste coito com letras!
Na áspera secura de uma pedra a lesma esfrega-se
Na avidez de deserto que é a vida de uma pedra a lesma
escorre. . .
Ela fode a pedra.
Ela precisa desse deserto para viver.

O guardador de águas - 1989




Pormenor de Human human - lotus, cloisonné figure 1 2000-01
.Ah Xian.




Lesma, s.f.

Semente molhada de caracol que se
Arrasta

Sobre as pedras, deixando um caminho de
Gosma

Escrito com o corpo

Indivíduo que experimenta a lascívia do
Ínfimo

Aquele que viça de líquem no jardim.


Arranjos para assobio - 1980



fecunda

natureza da criação

...natura naturanda...



Human human - lotus, cloisonné figure 1 2000-01

.Ah Xian.



génesis
da criação:
do verbo nasceu o homem e a mulher. da palavra se fez a criação. da semente e do sémen se fez a natureza e a criatura. se fez a criação.
a arte. a natureza, a palavra e o Homem vivem em comunhão.
em irmandade.
crescem como heras perpétuas. trepadeiras de incesto.
são matéria de prosa e de poesia. são o corpo da perfeição...



em mim floresce o fulgor da natureza








segunda-feira, 21 de maio de 2007

On y va ?!



Dance with me

.Nouvelle Vague.



Bande à part (1964)

.Jean-Luc Godard.




"A dança, como a poesia, é uma dádiva com dúvida!"


Lagoa Henriques




video clip não oficial

Caged & encaged


My body is a Cage

.Arcade Fire.



Once upon a time in the West
(1968)

. Sergio Leone.




video clip não oficial


Nem bastante, nem imenso - MUITO!


Cover Sleeve
.Coldfinger.


De há uns tempos a esta parte tenho vivido um dilema, deveras perturbante para mim,para o qual não consigo encontrar uma resposta razoavelmente plácida ou solúvel, apesar dos esforços:


Muito, é medida de peso ou de comprimento?

É que tenho tantas saudades. Muitas saudades. Tenho muitas. Muitas!Saudades.


Digo sempre
: tenho muitas saudades.Porque tenho.
Nunca digo:
sinto saudades...
Pois, se disser: sinto, de sentir, neste contexto, associo a um conceito abstracto. Insensível. Sem matéria e sem nome. Sem rosto. Sem peso. Sem corpo. Sem identidade.

(e eu conheço-te tão bem...)

Porque tenho saudades, de ter. do verbo ter. Ter-te.
Porque são de saudades que sofro, e são elas que me possuem. Que me têm.
E tenho muito...muitas...

. saudades.

Elas têm peso, são grandes, compridas... incomensuráveis...
Jamais poderia dizer, tão somente: sinto saudades.
Porque a saudade tem peso - sinto o peso. sinto-o, é pesado e pesa. Muito.
Não pesa bastante, nem imenso; não sinto bastante, nem imenso.
Ao invés, digo: muito, porque tenho muitas saudades. as saudades são muitas!

Bastante, soa-me a qualquer coisa que fica aquém, e imenso remete-me para algo vago, inócuo, flutuante, desprovido de gravidade, sem peso.
Por isso, digo: muito, e digo que: tenho saudades.
Digo que tenho muitas saudades.
.TUAS. TUAS.
Do verbo ser tua, de ter. Seres meu, de possuir.
Do verbo ter. De, muito ter. Saudades, também.


..."Sinto muito"...

embora saiba que não me pertences

tenho comigo o peso da saudade



Quando vencer este meu estado de demência, prometo retomar a coerência do discurso, parece-me que essa é a única forma de me fazer entender! Chamo então, a lucidez!




sexta-feira, 18 de maio de 2007

"Água vai" !

.Assembleia da República.

Rodrigo Cabrita


Vai uma águinha, vai?

Chegaram recentemente ao nosso mercado as novas águas Vitalis, enriquecidas com fibras solúveis e compostos de L- Carnitina, que visam eliminar a gordura acumulada no organismo, convertendo-a em energia.
Face ao presente milagre da ciência, não me restam quaisquer dúvidas relativamente ao meu próximo dever cívico a exercer: vou pagar uma rodada de água Vitalis aos Exmos. Senhores deputados presentes [ausentes e/ou dormentes] na Assembleia na República. Pode ser que assim ganhem um bocadinho mais de energia e agilidade - pois os efeitos do sedentarismo "quadrado", bem como os da "seca" prolongada são nocivos para a sáude [pública, subentenda-se!].

Vai uma águinha, vai?

Mexam-se!

quarta-feira, 16 de maio de 2007

O Libertino ainda passeia!


Luiz Pacheco


Tânia Pinto traduz textos do autor para francês ler



...Aguardo, com ansiedade, desenvolvimentos...




terça-feira, 15 de maio de 2007

Red Roses. Dead Roses?

Wrapped Roses, 1967

Christo


Poderá a iconoclastia no romantismo

asfixiar o amor?


Vestido branco

Emily Dickinson Dress, 2000

Jerome Liebling


(...) O que me faríeis se eu viesse de "branco"? Tendes o pequeno cofre para pôr os Vivos - dentro? (...)

Emily Dickinson, excerto de carta para destinatário desconhecido, cerca de 1861



agora que

me escondo

no teu pequeno

cofre

deixo

pendurado no armário. outrora vazio.

o cabide já vestido


Sacaste-a com asas

Sonhar os Sonhos

Cristina Tavares



Se dizes que ela é uma boneca, e se gostas de brincar com ela, por que não a levas contigo? o outro também cantou que a pizza era os olhos da sua amada - That's amore! Abre o saco de asas e leva-a para casa!

...A idade da inocência ...





Desfio-me no meio dos dois carrinhos. E caminho


Sonhar os Sonhos

Cristina Tavares




As duas linhas dos carrinhos: cor-de-rosa e cinzenta

Nos dois carrinhos de linhas viajaram um vestido de linho imaculado, com borbado inglês cor-de-rosa bebé, e um par de sapatos de verniz preto.
O desejo de revisitar as memórias dessa viagem era de tal modo intenso que galguei as escadas do sótão sofregamente para abrir o baú de infância. Resgatei o vestido outrora perdido no tempo. Contemplei-o. Decidi passá-lo, caseá-lo, e reforcei os botões antigos.
No fundo do baú encontrei os sapatos de verniz. Experimentei-os. Estão apertados. Neles alinhavo pespontos a cinzento-rato. Cor de cinza cinzenta da cor da borralha queimada e do burro quando me foge.

A cor negra destes sapatos nunca me enganou: sempre que os calçava e caminhava... o burro fugia-me... e eu nunca ia longe...
Vou deitá-los fora porque já não me servem. Aproveito e livro-me do agoiro negro do verniz e das cinzas.
Só o vestido com o debroado rosa ainda me serve, mas está démodé... Já sei! Vou remover os botões e casá-los noutros vestidos, eles são tão bonitos!



















Sonhar os Sonhos de Cristina Tavares. Sonhar os Sonhos de Cristina Tavares.

Mas cansei-me... Desabotoei-me, despi-me dos velhos trapos e larguei de vez os sapatos de verniz. negros!
Comprei botas de salto alto estilo Luis XIV e rumei em direcção aos meus sonhos como fez o Rei Sol! Fi-lo com um sorriso ávido por conjugar o caminho do futuro!

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Palavras descontextualizadas


.Rodrigo Cabrita.



A forma dos números - uma questão de geometria, morfologia ou de aritmética?

Ontem fui assistir a um interessante jogo de futebol disputado por duas equipas empenhadas em vencer o lugar para as competições europeias. Entre trocas e baldrocas, impropérios, comunhão e rebelião, faltas cometidas e simuladas, cartões amarelos merecidos e vermelhos indevidos, lá se me escaparam algumas palavras que nem em sessões de psicanálise se justificariam...

- Totós!
- Nabos!
-...é mesmo Toino! Toino!

passados trinta segundos, o senhor que estava sentado ao meu lado olha-me com ar de desentendido, enquanto descasca as suas pevides, e esclarece- se, esclarecendo-me :

- ó menina, totós são os carrapitos da minha neta, nabo é o que a minha senhora cultiva lá no quintal, e Toino... sou eu! Aqui só há manfios, mulos, filhos da "#xp?... ca#"/6, xupi$)=x, cabr&%$= e gatunos!...

... ... ... ... escusado será dizer que nos minutos seguintes deixei de dar importância às palavras, visto que passou a ser bastante mais interessante dar sentido aos números, não apenas pelos golos marcados e pelos pontos que a minha equipa ia sumando, mas também pelos outros números: o 22, 17, 43,... e o 15, sim, o 15! Desde então passei a olhar para os números de uma forma diferente. Há números que até são bonitos, alguns deles bem musculados e correm que se fartam!
Quando era pequenina desenhava os números sem compreender a sua morfologia, ontem aprendi que os números afinal têm fisionomia. Se antes desenhava a sua forma, hoje gostava de saber desenhar a sua silhueta...

Sentada ao piano


.Corpse Bride.

Tim Burton



Soltou-se o som de si sustenido
vociferando
desafinado o tom grave implícito nas entrelinhas da cauda do piano.
Desta dissonante partitura fez-se soar sua tímbrica melodia.





domingo, 13 de maio de 2007

Obras de Arte.


- O número que Deus fez -


Após o conflito da escolha
seleccionei três textos
que rezam assim:

...

A menina, aflita, gritou à mãe:
- O outro vai matá-lo!
Mas a mãe, embaraçada, calou-a:
-Não. É um cão e uma cadela. Não olhes para lá.
Então a menina tapou os ouvidos.

Adília Lopes

in O Decote da Dama de Espadas




Menina com cão, 1986
Paula Rego

...

Meteorológica

para o José Bernardino

Deus não me deu
um namorado
deu-me
o martírio branco
de não o ter

Vi namorados
possíveis
foram bois
foram porcos
e eu palácios
e pérolas

Não me queres
nunca me quiseste
(porquê, meu Deus?)

A vida
é livro
e o livro
não é livre

Choro
chove
mas isto é
Verlaine

Ou:
um dia
tão bonito
e eu
não fornico

A solidão
de Adão
antes da criação
de Eva
devia ser
terrível
mas a minha
é bem pior
os homens
que escreveram
o Génesis
não pensaram
que Adão
em vez de saudar
Eva
com um grito de júbilo
a mandasse embora
com sete pedras na mão
mas eu acho
que foi
o que me aconteceu
temendo isso
Deus
não me deu
o papel de Eva
nem o de Maria
porque também
S. José
me tinha corrido
a pontapé

Adília Lopes

...

NO MORE TEARS

Quantas vezes me fechei para chorar
na casa de banho da casa de minha avó
lavava os olhos com shampoo
e chorava
chorava por causa do shampoo
depois acabaram os shampoos
que faziam arder os olhos
no more tears disse Johnson & Johnson
as mães são filhas das filhas
e as filhas são mães das mães
uma mãe lava a cabeça da outra
e todas têm cabelos de crianças loiras
para chorar não podemos usar mais shampoo e eu gostava de chorar a fio
e chorava
sem um desgosto sem uma dor sem um lenço
sem uma lágrima
fechada à chave na casa de banho
da casa da minha avó
onde além de mim só estava eu
também me fechava no guarda-vestidos
mas um guarda-vestidos não se pode fechar por dentro
nunca ninguém viu um vestido a chorar

Adília Lopes


Diz quem sabe: aqui


sábado, 12 de maio de 2007

Indentidade com vários rostos

Julião Sarmento, "Streching the Allegories", 1999




Autobiografia sumária # 1 - Adília Lopes Dissera


"Os meus gatos
gostam de brincar
com as minhas baratas"


in A Pão e Água de Colónia



Autobiografia sumária # 2 - Adília Lopes Disse


"Não deixo a gata do rés-do-chão brincar com as minhas baratas porque acho que as minhas baratas não gostam de brincar com ela".

in Irmã Barata



Autobiografia sumária # 3 - Adília Lopes Diz


"Os meus gatos já deixaram há muito tempo de brincar com as minhas baratas. A Ofélia tem 12 anos, seis meses e sete dias. O Guizos, segundo o Dr. Morais, tem 9 anos. Entretanto gatos morreram, gatos desapareceram. Estou a escrever isto no computador e não sei do Guizos há três dias".


in Irmã Barata





Adília Lopes - Dirá

"Depois do holocausto, a barata Eva e a barata Adão comerão da maçã. Mas isso não será pecado. E uma humanidade de baratas viverá feliz para sempre num Paraíso sujo de restos de pessoas que não será sujo para ninguém".


in Irmã Barata



Julião Sarmento "Suffering, Despair and Ascent" 1997



quinta-feira, 10 de maio de 2007

Impressão sobre natureza - morta


Natureza-morta, 2000

Paulo Sebastião



Ela queria dar vida aos corpos inertes através da sua fantasia
pretendia ressuscitar a natureza-morta que se encontrava
asfixiada. desidratada
pela secura da sala


Sem título, da série "Ensaio para o Esquecimento",1999

São Trindade


Mas nem com o copo de água conseguiu matar sua sede
e diluir a densa atmosfera
.quente.
não conseguiu conceder vida à natureza-morta




La Femme, 2000

Vítor Pomar


Já que o resultado não foi o cenário desejado
perfeito
ela vingou-se
serviu-se da ventoinha, que agiu e falou por ela
personificou-se
eis a sinestesia da rebelião




Tínhamos uma ventoinha de permeio desligada, desconfortavelmente silenciada, entre nós.
O calor fazia-se sentir no nosso gabinete. Incomodava tanto quanto o silêncio, desconcertante, que censurava cada gesto e movimento meu. Eu não queria perturbar-te. Não queria que qualquer ruído meu pudesse desconcentrar-te.
A vontade de descruzar as pernas era imensa. Mas não tanta quanto o desejo de ser abraçada por ti, de sentir o vigor com que intensamente cinges os rolos dos projectos, esboços, croquis de plantas que diariamente transportas junto ao peito.
Fiz um esforço tremendo para não descruzá-las e não as descruzei! Creio que não foi por causa do eventual ruído que pudesse ocasionar. Perturbando-te. Mas sim, pela cena ordinária vulgarmente identificada com os filmes românticos pipoqueiros. Não, não as descruzei, nem humedeci os lábios, não!
Decidi ter um comportamento racional. Levantei-me, arredei a secretária e fui buscar um copo de água.
Compreendeste o prelúdio desta dança dessincronizada e abriste a janela. Sorrimos em uníssono num compasso finalmente assertivo."Está calor"!
A brisa fresca invade o gabinete, entra-me pelas narinas, ouvidos e pensamentos, passando então a ser cúmplice dos meus intentos. Rouba a minha ira e viola o sossego do gabinete. do nosso gabinete. Mudo.
Foi ela quem perpetrou a primeira contenda - um turbilhão de papéis ficaram dispersos, lápis rebolaram pelo chão, réguas caíram e esquadros estilhaçaram-se...
Juntos apaziguámos este cenário que parecia ser um perfeito pretexto. Tocaste-me, roçaste-me ao de leve com os teus braços... e o inevitável arrepio da minha pele bem como o rubor do meu rosto não tardaram a denunciar minha fraqueza!

- "Atchim! Perdão". O meu espirro interpelou-me, interpelou-nos. Interpelou este momento. Raios!
- "Santinha"!.
"Santinha"? - pensei eu - podias ter-me chamado de tudo, menos de santinha... não me parecia que este momento fosse o mais apropriado para ser beatificada.

Entretanto, em jeito de sobressalto rompante, o telefone toca, quebrando o sacrilégio desta minha visceral fantasia. Ele atende.
Com uma mão estende virilmente os rolos dos esquissos sobre a sua secretária e com a outra repousa delicadamente o auscultador no ombro e enceta a conversa com a sua voz máscula. prosaica. serena.
Maldito sejas! Por breves instantes quis que o meu corpo fosse rolos de papéis e minha face um estúpido telefone. Fiquei enciumada.
Gaita! Que se lixe! Chegou o momento de ligar a ventoinha para assistir ao lindo espectáculo de ver tudo a "ir pelos ares"!!! Que o ruído ensurdecedor da ventoinha boicote a tua chamada e que a tralha de projectos se dispersem pelo ar!
Peço desculpa pelo incómodo, mas estava demasiado calor.


Ut pictura poesis


Annonciation, 1450

Fra Angelico

Museu de San Marco, Florença




As palavras têm dignidade - palavra de honra!

As palvras têm valor - valem ouro, por isso são roubadas!

As palavras são promessas - dou-te a minha palavra!

As palavras são gulodice, uma doçura ou azedume - por isso há quem as mastigue e por vezes caem mal!

As palavras são sentença - têm a última palavra !

As palavras são forma, coisa, matéria e objecto - têm peso e gastam-se, pelo que o seu uso deve ser comedido e não banalizado, dispendido em vão!

As palavras fazem sentido mesmo quando são silenciadas e censuradas!

As palavras são sementes geradas no ventre, Jesus! são divinas - por isso Deus se fez verbo!

As palavras são sempre revelação - anunciação!

As palavras são sagradas - pelo que incitam o fervor iconoclasta!

As palavras são mulheres, femininas - procriação, provocação, prazer, poder, diplomacia!


Escrevo como vivo, como amo, destruindo-me. Suicido-me nas palavras

disse Ruy Belo




Eu magouo-me com as palavras

e ultimamente tenho-me queimado com elas






A Lara não gosta de Dali #3


Ritual, 2006

Susana Mendes Silva


Só hoje identifiquei - ainda estou para saber por que milagre do entendimento!- o aguilhão que diariamente me tem acicatado a angústia. É nada mais nada menos do que o relógio de um edifício situado em frente do meu consultório. Sem dar conta que, mal erguia os olhos da escrita ou os desviava dum doente, ficava eu com dois ponteiros a desandar na retina, passei anos e anos a fornecer ao inconsciente o grande motivo da minha própria agonia...

Texto de Miguel Torga - DiárioXI.,1973



é impossível gostar de alguém que foi submisso às mesmas obsessões

seria insuportável

confrontar-me diariamente com os meus medos

Tempo - t' ar - te #2



Bailarinos, 2001

Mário Cabrita Gil


Quero agarrar-te. Tempo. Tomar tuas rédias.
Ser dianteira.



Snapshots#2, 1997

Nuno Cera


Mas perdi-te de vista. Onde te meteste tempo?

Fugiste-me?



O meu tempo escorre, corre - é veloz e volátil

O meu tempo foge - é fugaz e efémero

O meu tempo voa e não perdoa

O meu tempo foi balão que se soltou das minhas mãos

Resta-me vê-lo rebentar. estoirar.

Inércia #1

Bleu, 2002

João Tabarra




Partida, largada, fugida.

O tempo tem as pernas mais longas do que as minhas.
Corre mais depressa do que eu. Finta-me, passa-me a perna e prega-me rasteiras. E Caio.
Quando me levanto, já sem forças, ergo os meus olhos em direcção à meta, que fica
longe, tão distante... e constato a enormidade de voltas que ainda faltam ser percorridas.
Brrrrrrriiiiimm!
Esgotou-se o tempo! Foi ele o vencedor da partida.
Nem tempo tive de desafiá-lo na corrida, nem de cortar a meta tão pouco...

Fugiu-me


...

Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação

Não posso adiar o coração
...

António Ramos Rosa



Ouço The clock de Thom Yorke

clica
aqui se quiseres ouvir a música e matar o tempo

quarta-feira, 9 de maio de 2007

A minha cabecita


Chinese Shop

Richard Harrod

Definição em

Discurso bruto

Ninharia reles. pechincha. bagatela. amálgama. massificada. industrializada.mofo.naftalina.
1.50. colorido agressivo. estonteante. devaneio. lúdico. sonoro. contínuo. ruído. apertado.
explosivo. em saco. saco. ensaco. asfixia. vicia. consumo. consumismo. médio. mediana. razoável. gomas. maquilhagem. palitos. panelas de pressão. shop suey. remexido. despe. veste. partido. rasgado. apertado. acossado. cingido. descuidado. confusão.confusa. agressivo. cores. sagrado. profano.reprodução.contrafeito.sem originalidade. ah!. hihi. oh... plin!plin!. partido. quebrado.embalado. rasgado. corantes. conservantes. dá jeito. ao jeito se dá. achado. comprado. expoliado. explorado. artificial.mas lá. existe sempre um sorriso. uma partilha. habita.ainda que ninguém a compreenda. a chinesinha da caixa. encaixada. afunilada. há sempre um sorriso.sincero. verdadeiro.autêntico.original. gosto dos chineses.todavia não consigo gostar de lojas chinesas. a evidência.de mim mesma. assusta-me. aparição. revelação do amontoado. denso. dos meus pensamentos. assusta-me. que cabeça a minha.ninharia reles. pechincha. amálgama. um dia as prateleiras caem.as gavetas quebram-se.pelo facto de não conseguirem suportar tanto peso. existe melhor definição?.existe?.?.?.?.assim fico quando entro numa loja de chineses. atarantada.de tudo ver.mexer. e não querer nada. ser nada.ai a minha cabecita.

Pensamento a retalho


terça-feira, 8 de maio de 2007

Rubor cálido


.Descortinar.

Descerra

sensualidade a veludo vermelho



.papoila.





Disponível para amar de Wong Kar Wai

Saciai-vos bacantes da merenda


À Papoila mais linda do Ramalhete Rubro

Apetecível papoila:


De tarde

Naquele “pic-nic” de burguesas,

Houve uma coisa simplesmente bela,

E que sem ter história nem grandezas,

Em todo o caso dava uma aguarela.



Foi quando tu, descendo do burrico,

Foste colher, sem imposturas tolas,

A um granzoal azul de grão-de-bico

Um ramalhete rubro de papoulas.



Pouco depois, em cima de uns penhascos,

Nós acampamos, inda o sol se via;

E houve talhadas de melão, damascos,

E pão-de-ló molhado em malvasia.



Mas, todo púrpuro, a sair da renda

Dos teus dois seios como duas rolas,

Era o supremo encanto da merenda,

O ramalhete rubro de papoulas


Cesário Verde


o lugar mais erótico de um corpo não é a parte em que o vestuário se entreabre?

.questionou Roland Barthes in O prazer do texto.



Eis que se revela então o supremo encanto da merenda

Cariátide



[Erecteion é plágio tosco]


És cariátide altiva, ascética e vertical

.sustentáculo do meu ser.

És cariátide esculpida de beleza clássica

que respira e inspira o fulgor helénico,

Ousaste roubar a chama do Olimpo

e desceste à terra só para me iluminar

.eu não merecia.

Desafiaste a fama e glória dos deuses e a eles te juntaste.

Modigliani envergonhar-se-ia de ti,

Génio da criação!

És tu cariátide, templo do meu refúgio!

E eu contemplo-te, mãe!

.Eternamente.




"deito-me aos teus pés e beijo-os, é esse o meu lugar" - Diderot



Ouves, mãe? É Stevie Wonder que canta Isn't She Lovely só para ti!





o dia da Mãe é todos os dias